Nosso livro se propôs principalmente a narrar a trajetória de 3 bandas que atuaram de 1985 a 1989. O critério para a escolha das 3 bandas está claro na introdução: 3 bandas, 4 anos, poucas bandas, pouco tempo.
No entanto para efeito narrativo o tempo foi esticado de 1980 a 1989, uma espécie de história do rock em Goiânia foi esboçada e mais 3 bandas foram incluídas além de várias outras que precederam a cena postpunk.
Mesmo assim vários aspectos que contribuíram para uma consciência subcultural também deveriam ser abordados: literatura, filosofia, política, drogas, moda, participação feminina, preconceito, etc.
Entre esses aspectos um dos mais pitorescos foram as HQ ou histórias em quadrinhos.
página 58
Não sei exatamente quando escrevi a versão publicada no livro, mas deve ter sido entre o fim de 2014 e início de 2015.
É um capítulo muito curto, apenas 1 página e meia, mas creio que mesmo numa síntese bem apertada o recado foi dado.
O curioso é que quando escrevi esse capítulo no manuscrito ele era totalmente diferente, não era sobre HQ, mas sobre o assassinato do quadrinista Glauco Villas Boas que era um dos nossos ídolos, não havia casa de roqueiro em Goiânia que não tivesse alguns exemplares da revista Geraldão espalhadas pelos cômodos.
Em algum momento ao revisar minhas anotações reencontrei o texto que acabou se tornando o capítulo HQ, páginas 58 e 59 do livro.
texto original sobre HQ/Glauco
escrito dia 12 de Março 2010
Como esse blog é editado para complementar o livro decidi publicar aqui o texto original inédito aqui no blog. O asterisco (*) marca minhas anotações posteriores.
Glauco Villas Boas
Sem mais vamos ao texto original:
"A MORTE DE GLAUCO"
"Até meados dos anos 80 o leitor brasileiro de HQ era principalmente leitor das historinhas de Walt Disney e dos títulos de heróis da Marvel e DC comics.
*[ havia as revistinhas de terror, de bang-bang e a Turma da Mônica, mas era quase 100% HQ estrangeiras ].
A exceção brasileira era o Maurício de Souza e entre os amantes de rock'n'roll a mais popular era a revista MAD.
Mas os 80 veriam uma reviravolta do mercado das HQ que se iniciou com a revista Chiclete com Banana do quadrinista Angeli.
Angeli trouxe para o imaginário jovem brazuca os tipos que eram ignorados pela mídia em geral: punks, darks, gays, drogados, putas, sadomasoquistas, velhos hippies, cafagestes de balcão de bar,comunistas, punheteiros, enfim a fauna e a flora marginal que até então estavam restritas aos discos de Lou Reed.
Na cola de Angeli floresceram outros nomes: Luíz Gê, Glauco Mattoso, Laerte, Glauco Villas Boas, Adão Iturrusgarai, Jaca, etc.
Todos eles retratando com realismo a mudança que se operava naquele momento, mas para nós, roqueiros postpunkers, principalmente no interior do Brasil pós-ditadura-militar, eles significavam o rock'n'roll gráfico.
Angeli foi o mais celebrado, mas se elegêssemos um segundo lugar, com certeza iria para Glauco Villas Boas que popularizou-se principalmente devido ao rato de apartamento Geraldão, um solteirão adepto de quanta substância química estivesse disponível e que se masturbava enquanto espiava a própria mãe tomar banho.
Além do Geraldão as revistas de Glauco nos apresentou Dona Marta, Zé do Apocalipse e o Casal Neuras que virou programa de humor na Rede Globo.
Então hoje (12 de março 2010) ao ligar a TV recebo a notícia do assassinato de Glauco Villas Boas e seu filho.
É claro que um misto de indignação e decepção percorreu meu sistema nervoso, mas tento sempre fugir do lugar comum, da comoção piegas, do sentimentalismo barato e se possível chegar a algum lugar além.
Pessoas morrem todos os dias de variadas causas: Chico Science num acidente de carro, Ayrton Senna saiu da pista, Renato Russo foi de HIV e o Curt Cobain deu um tiro na própria cabeça, mas o Glauco foi assassinado a queima-roupa por um jovem que era seu conhecido.
O episódio me faz mais uma vez desviar meus olhos dos campos de futebol e das bravatas nacionalistas da Petrobrás para um Brasil que faz a gente passar vergonha.
Um país de criminosos, de picaretas, de analfabetos. Um país onde professores são perseguidos no ensino público e privado enquanto passamos a mão na cabeça de alunos vagabundos. Um país onde juízes contratam 200 assessores sem concurso público.
Um país onde os partidos do governo e de oposição embolsam milhões [*atualizando: bilhões]enquanto traficantes de drogas humilham a polícia e determinam o horário de funcionamento do comércio.
os bandidos de arma nas mãos que assaltam casa e matam quadrinistas são apenas o efeito colateral ou o reflexo dos bandidos que agem no executivo, no legislativo e no judiciário.
A morte de Glauco foi um tapa na minha cara, mas é apenas mais uma morte no vergonhoso mar de mortes e corrupção que é este país chamado Brasil.
Tente se lembrar disso na próxima vez que for vestir uma camiseta da seleção brasileira de futebol."
fim
*Me surpreendo quando leio esse texto bem pobre que escrevi em março de 2010 porque parece que o escrevi HOJE!
Só pra finalizar:
- Clique aqui para ler a notícia do assassinato de Glauco Villas Boas de 12/04/2010.
* O assassino de Glauco Villas Boas foi solto em 2013 considerado 'louco' e veio morar em Goiânia matriculado numa faculdade e se dedicava ao crime.
Foi novamente preso em 1º de setembro de 2014 ao atirar num jovem para roubar o carro e ao tentar fugir, trocou tiros com a polícia. A vítima também morreu.
- clique aqui para ler a matéria da 2ª prisão do assassino de Glauco Villas Boas em Goiânia em 1/09/2014.
O assassino de Glauco Villas Boas foi assassinado na cadeia em 4 de abril de 2016. Levou 20 golpes de uma arma artesanal.
- clique aqui para ler sobre o assassinato do assassino de Glauco Villas Boas.
*Como se trata de um livro sobre rock eu deixei de fora quase tudo, mas sinto-me bem melhor tendo publicado o original aqui.
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