quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

A Day Out With Joy Division - entrevista em português com fotos


 
Joy Division no Pennine Studios em Oldham




Nota do tradutor: Uma versão em português desta entrevista já esteve hospedada na página do E-zine Electric Mind e se chamava ‘Um Dia Com o Joy Division’. A página pertencia a um tal de Augusto Fernandes, mas não encontrei a página então resolvi fazer essa tradução livre.

Contudo o endereço da versão em português era esse: 


As fotos que ilustram essa tradução foram tiradas no Pennine Studios no mesmo dia da entrevista. Encontrei no twitter do Jon Savage @JonSavage1966.

O texto que traduzi segue abaixo:

[Essa entrevista foi publicada originalmente na revista de ficção científica Extro, Vol 2/nº 5. Negligenciada por quase todos, é uma das entrevistas mais interessantes do Joy Division, reproduzida aqui com permissão do autor. Em 8 de janeiro de 1980 Alan Hempsal entrevistou Joy Division e seu empresário Rob Gretton, quando a banda e Martin Hannet estavam trabalhando em Love Will Tear Us Appart (versão original a ser encontrada no lado B de FAC 23), These Days e The Sound Of Music, nos estúdios Pennine em Oldham.]

Frank Brinkhuis


“É terça-feira oito de janeiro, o clima tá absolutamente congelante e eu estou em pé do lado de fora do Manchester’s Free Trade Hall. Eu olho meu relógio, quinze para as duas. Eu estou em pé aqui por uma eternidade. O Joy Division deveria ter me encontrado aqui 45 minutos atrás. Meus pés estão ficando dormentes e eu estou quase desistindo e indo pra casa quando uma buzina atrai minha atenção. Do outro lado da rua tem um mini-bus com os três membros do Joy Division, Ian Curtis (vocal), steve Morris (bateria) e Rob Greton (empresário). Steve está ao volante. Eu saio correndo até eles com meu equipamento e entro assim que Ian consegue abrir uma porta teimosa depois de 5 minutos.

“Desculpe pelo atraso,” diz Rob, “mas a gente tá atrasado com todo mundo hoje. A gente deveria ter pego o Bernard (Bernard Dicken, guitarrista) até dez pra uma.

Nosso destino final é o Pennine Studios onde a banda está gravando o restante do seu último ‘single’ Transmission, mas primeiro a gente tem que buscar o Peter Hook (baixista).


Foto por Daniel Meadows


É no caminho de buscar Peter Hook (Hookey como ele é conhecido entre amigos) que Rob me informa que eles não dão mais entrevistas então fico honrado em ser a exceção. Entretanto, temos um limite (sempre tem, não é?) e Rob me diz que ele e a banda prefeririam se eu não usasse meu gravador, o resultado final seria bastante superior. A ideia de informalidade parecia legal, mas como eu iria me lembrar de tudo? Ah, deixa pra lá, melhor começar logo.

O Joy Division. Apenas umas semanas atrás tinham estado na Bélgica e Paris pra tocar. Eu pergunto a Ian como foi.

‘A gente gostou muito, parece que a gente se virou bem. Na Bélgica nós fizemos um show na TV, era uma compilação de várias coisas. Tinha a gente, o Cabaret Voltaire e William Burroughs que estava lendo o livro novo dele The Third Mind. Depois nós fomos  apresentados à ele e eu perguntei se ele tinha outro exemplar (do livro), mas ele não tinha. Também tinha uns caras no show fazendo um barulhos desagradáveis nuns violinos e gritando o tempo todo, muito ridículo.’

Já que eu também já tinha estado na Bélgica eu achava que (a Bélgica) era um lugar muito obscuro pra tocar. Será que os discos deles vendem lá?

‘Bem, em termos de quantidade eu acho que não, mas mais porque o mercado de rock lá é minúsculo comparado à maioria de outros lugares então, em retrospecto, eu não acho que nosso álbum vendeu tão mal assim por lá. Quero dizer que só precisa vender 200 discos ou qualquer coisa ridícula e já entra nas paradas. O que faz o mercado de rock lá tão pequeno é que todos gostam daquelas cantoras francesas de baladas por lá, todas as lojas estão cheias de álbuns de pessoas tipo Edith Piaf e Sacha Distel.

Os belgas e parisienses são estranhos, o público é muito reservado,  só um pouco animados. Nós tocamos num clube bem selecionado onde as pessoas fazem fila do lado de fora na rua, mas só podem entrar se forem famosas ou se você tiver o visual ‘certo’, tipo Studio 54. Depois de tocar eles serviram comida especial pra gente no andar de cima e tinha todo esse pessoal selecionado andando à toa e, acredite ou não, tinha até uma piscina que você podia nadar nela se quisesse.


Bernard Sumner e Martin Hennet trabalhando a faixa These Days

A voz de Rob gritando igual louco e tentando convencer Steve a passar por cima de qualquer um que estivesse no caminho providenciou um pano de fundo animado, mas bem barulhento para minha conversa com Ian e pareceu que, sem perceber, a gente já tinha buscado o Hookey e já estávamos estacionando em frente ao Oldham’s Pennine Studios. O lugar parece bem esquisito também. Tendo se mudado de seu local anterior há alguns meses, (o estúdio) agora se aconchega dentro da nave de uma antiga igreja, o exterior áspero abriga o aveludado interior.

Entrando no estúdio encontro Martin Hannet, o produtor da maioria do trabalho do Joy Division e outras bandas além do que ele é o homem cujo trabalho é admirado por um grande número de pessoas (Nossa! Isso tá começando ficar igual a This Is Your Life). Alguém até já veio mais cedo hoje entrevistá-lo. Ele tá mexendo com o sintetizador de Bernard e parece bem satisfeito com um novo efeito que ele reivindica ter descoberto.

Enquanto Martin demonstra (o novo efeito) para Rob, Ian me tira dali para me mostar sua guitarra que ele comprou recentemente. É uma Vox, bem antiquada com botões de efeitos 4e uma bateria interna. Ele diz que está aprendendo a tocar e tenta ilustrar vocalmente alguns dos maravilhosos sons que pode criar com sua Vox.

Logo Martin está pronto para gravar as partes do vocal e todos nós entramos na sala de controle. Ian começa a cantar. Enquanto Martin está ocupado na mesa de mixagem, Rob, Hookey e Steve se ocupam em criticar as ideias um do outro sobre mixar e produzir que invariavelmente se rebaixa em um choque insultos leves. Rob parece ser o instigador desses torneios de palavrões e humilhações que temperariam as conversas através do dia.
Enfim Bernard chega e, enquanto Rob diz a Ian ele está cantando horrivelmente hoje, eu pergunto a Bernard o que ele acha de trabalhar dentro de estúdios.

‘Eu estou bem satisfeito. Tudo está soando bem. Duas das três faixas que a gente tá trabalhando hoje vão estar no novo ‘single’, a primeira vai ficar no lado A e então vamos escolher das outras duas para o lado B, provavelmente a terceira. Eu gostaria que a Factory lançasse um single 12”, mas se vai ser possível ou não, eu não sei”.

Bem, certamente merece ser lançado como 12”. Apesar de que já está sendo gravado não será lançado senão em dois meses. O lado A se chama Love Will Tear Us Apart, uma faixa dançante que trilha um novo terreno para o Joy Division com seu som dominado pelo teclado. Daí tem a música The Sound Of Music que é um pouco mais do que estamos acostumados o que não a faz pior. A última música da fita, e essa é a que o Bernard me diz que provavelmente será o lado B, é chamada These Days e eu achei que essa era mesmo algo para se escrever a respeito, essa música se beneficia de verdade em ser gravada através de doze polegadas de vinil. Tem uma batida poderosa e uma boa linha de contrabaixo costuradas por um ritmo à la Giorgio Moroder criado por uma coisa que eu achei que era um sintetizador.

‘Na verdade,’ diz Bernard, ‘é uma guitarra alimentada através de um sintetizador e o ritmo é criado passando o sinal da guitarra através de um canal do sintetizador que deixa só uma parte do sinal atravessar. Então, na verdade, o que o sintetizador está fazendo com o sinal é isso...’ (ilustra juntando as pontas de seus dedos indicador e polegar).

Quando as faixas com a voz estão completas Ian vai pra casa da mãe dele para uma xícara de chá enquanto Bernard faz uns overdubs de guitarra e violão em Love Will Tear Us Apart.

Enquanto isso tudo acontece Hookey está no lounge assistindo TV esparramado no sofá. Eles estiveram há pouco tempo em turnê com os Buzzcocks, acabaram de retornar de Paris, e em dois dias saem novamente para a Holanda e depois ainda Berlim. Pensando nisso eu pergunto sobre seus empregos diurnos.
‘Sim, a gente saiu dos nossos empregos algum tempo atrás,’ recorda Hookey.

Presumivelmente então a Factory Records está providenciando um salário para viverem.

‘Bem, o álbum tá fazendo algum dinheiro, as vendas e tal. Você tampouco pode chamar isso de “salário pra viver”’.

Apesar de que o novo álbum “Unknown Pleasures”, tenha sido bem recebido pela imprensa, houveram alguns ataques feitos contra eles, alguns bem cruéis. Eu pergunto se isso não o incomodou.

‘Não, teria incomodado há dois anos, mas não mais. Depois de se encontrar com alguns jornalistas você já fica esperto com essa coisa de ficar incomodado porque quando eles te entrevistam se você não responde do jeito que eles querem eles não prestam atenção. Por exemplo eles dizem: “Quais são suas influências?” e a gente diz “Na verdade a gente não tem nenhuma” e você pode ver que eles ficam aborrecidos e eles viram a cara desinteressados. Uns dois que eu conheci tem sido tão cruéis , tipo o Paul Ramball da NME fez uma entrevista com a gente uma vez e tava tudo OK, mas mesmo com ele levou um certo tempo pra gente fazer ele entender nosso jeito de pensar. Eu acho toda essa coisa de entrevistas bastante clichêzadas mesmo, você não?’

Isso depende do seu critério de clichêzado, eu acredito.

‘Bem, eles me fazem a mesma pergunta toda vez.’

Bernard no dia de hoje há 40 anos - foto de Daniel Meadows


Nesse ponto a TV derrama-se em publicidade, o primeiro é um da Butlins. Isso distrái Hookey.

‘Eu odeio Butlins’, ele declara, ‘Eu trabalhei lá uma vez por três dias como cozinheiro-assistente. Eu nunca tinha cozinhado antes em toda a minha vida’.

Logo Ian volta da casa da mamãe e ele e Hookey fazem os vocais de apoio depois do quê Hookey me leva até à van para procurar por uma lanchonete de vender ‘chips’.  Enquanto ele dirige eu pergunto como a banda foi formada.

‘Bem, eu e Bernard fomos os membros fundadores e a gente via muito o Ian depois dos primeiros shows dos Sex Pistols. Ian já tinha um guitarrista e ele queria um baixista e um baterista e a gente queria um vocalista e um baterista, então por causa desse guitarrista do Ian a gente não se juntou. Então o guitarrista do Ian saiu e nós colocamos um anúncio e Ian respondeu, simples assim, mas a gente testou uns dez bateristas antes da gente encontrar o Steve.’

ATROCITY EXHIBITION

Depois de comer nossos ‘chips’ no estúdio todos decidimos que seria uma boa ideia que fôssemos para o pub. Rob, estando à frente de todos, anuncia que o último a chegar paga a rodada e todos saem correndo. Eu infelizmente estava no fundo e na minha tentativa de ganhar posição todo o meu dinheiro cai no chão. Mas nem tudo está perdido porque eu passei tanto tempo recolhendo que quando eu chego ao pub já tem outra pessoa pagando a rodada.

Sento pra beber e pergunto ao Ian sobre seu gosto pelo trabalho de J.G. Ballard e William Burroughs. Descubro que ele já leu uma boa seleção dos dois autores incluindo Crash (meu favorito), Terminal Beach, Atrocity Exhibition e High Rise de Ballard e Soft Machine, Naked Lunch e Wild Boys de Burroughs. Ele tem também um livrinho do Burroughs chamado Apo-33 que  inclusive estava com ele no momento. Eu dei uma folheada e achei muito interessante. Pergunto se algum desses livros influencia as letras de Ian.

‘Bem, subconscientemente eu acho que algumas coisas grudam, mas não sou conscientemente influenciado por elas.’.

E sobre aquela música que a banda toca chamada Welcome To The Atrocity Exhibition, certamente foi influenciada por Ballard?

‘Na realidade não. Eu já tinha escrito a letra muito antes de ler Atrocity Exhibition e eu estava procurando por um título porque algumas vezes eu não consigo criar um bom título. Eu vi esse título no início de um dos livros dele e eu achei que combinava bem com as ideias na letra. Um tempo depois eu escrevi a letra e a música já estava no nosso set, eu li o livro e por pura coincidência algumas das ideias no livro são similares àquelas nas letras.

Duas doses depois nós voltamos para o estúdio para encontrar The Old Grey Whistle Test na TV com Cozy Powell. O guitarrista de Powell está no meio de um solo quando Bernard vira-se para mim e diz:

‘Não é uma merda de horrível?’

Será que ele não gosta de solos?

‘Não é que eu não goste de solos, mas minha ideia de uma música ideal é aquela na qual cada instrumento tem parte igual, nada vem à frente ou acima de nada, onde tudo é igual. Claro, sempre há exceções, mas falando generalizadamente é assim que eu gosto’.

Nesse momento, já tá ficando mais ou menos tarde e só o que falta é Martin mixar as músicas. Enquanto (Martin) trabalha nós ouvimos uma gravação da sessão recente do Public Image Ltd. no John Peel.

‘Quando a gente tocou no Leeds sci-fi Futurama,’ começa Ian, ‘eu ouvia muito e achava eles ótimos apesar da má imprensa que eles recebiam. Eu tenho Metal Box e eu acho magnífico, a única coisa é que, eu tenho que colocar um peso sobre a agulha do toca-discos para ela não ficar pulando. Eu adorei o dia inteiro em Leeds, eu queria ter ficado para um segundo dia, mas eu não podia. Eu nunca pude entender todas as péssimas críticas que eles recebiam’.

Enquanto a gente ouve as gravações do Joy Division pela milésima vez o assunto muda para as aventuras deles no exterior na semana passada.

‘A gente estava num hotel’, relembra Bernard, ‘e estávamos os cinco dormindo num mesmo quarto e tipo vinte pessoas no quarto ao lado, um deles era o faxineiro do hotel. Ele ficou furioso conosco porque ele saiu no meio da noite e pegou o Ian mijando no cinzeiro e se não bastasse ele entrou em nosso quarto e me pegou mijando na pia’.

Esse humor jovem continua pelo que resta da noite e, um pouco depois, Hookey tinha ido embora então Rob, vendo que Hookey já não estava resolve tirar a maior onda com a cara dele.

‘O Hookey já foi embora?’ Pergunta.

‘Sim’, Steve responde.

‘Bom, eu já estava mais aguentando aquele filho da puta.”

Todos estão rindo agora, enquanto isso me ocorre que nem uma vez hoje eu percebi nenhuma expressão contrariada ou alguma má-vontade em falar, pontos que a imprensa de música nacional está sempre afim de deixar claro. Talvez esteja só na cabeça do entrevistador (quando estava para sair eu mencionei que como eu me lembraria de tudo o que foi falado, Steve diz, ‘Inventa tudo, todos os outros fizeram assim.’) e mesmo que não tivessem inventado, então talvez a culpa devesse estar totalmente e justamente colocada sobre o jornalista com suas perguntas clichêzadas e seu gravador de fita.
Na van de volta pra casa Bernard me confidencia: ‘Pra falar a verdade eu não gosto do (estúdio) Pennine, no fim eu já tinha me acostumado, mas eu prefiro o Strawberry em Stockport, é mais amigável.’

Ian concorda.

Mais uns poucos minutos e mais algumas piadas sobre a ausência de Peter Cook a banda me deixa perto de casa.

Não se deixe enganar, esse próximo single, julgando pelo que ouvi, vai ser uma sequência maravilhosa para o excelente Transmission. Eu só espero que seja lançado como single 12’ (Está ouvindo Factory Records?). Fui pra cama cantarolando These Days, um belo fim de dia. Nem tanto uma entrevista, foi mais passar um dia com o Joy Division.

Alan Hempsall, janeiro 1980

[Postscript: O show na Bélgica com Cabaret Voltaire e William Burroughs, citado no início da entrevista, foi a abertura do Plan K em Bruxelas, em 16 de outubro de 1979. A visita a Paris foi o show no Les Bains-Douches, 18 de dezembro de 1979. O festival Leeds Futurama sci-fi, mencionado perto do fim da entrevista aconteceu no The Queen’s Hall em 8 de setembro de 1979. Um álbum compilação estava programado para ser lançado pela Factory, mas como tantos álbuns ao vivo  - nunca foi realizado. Frank Brinkhuis]

Quer ler no original? Clique aqui.


Nota do tradutor: Traduzi tudo de uma vez só. Tentei abrasileirar a tradução ao máximo. Quaisquer erros de digitação serão corrigidos 'SE' e somente 'SE' você me avisar. Espero que tenham gostado.

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